Com o Tratado da Constituição Europeia, a evolução da União Europeia inicia uma etapa decisiva, que é também uma mudança de natureza. Já não se trata de um acordo de cooperação entre Estados soberanos, mas é antes a criação de um super-Estado europeu.

Com efeito, o texto do Tratado estende as competências de Bruxelas aos últimos domínios sobre os quais os tratados existentes são omissos: energia, protecção civil, desporto, etc.; faz desaparecer os procedimentos de decisão por unanimidade em domínios essenciais como a segurança interna ou a imigração; muda a natureza das políticas, ou seja, passa-se da cooperação à uniformização legislativa. Os Estados perdem, ainda mais, a sua independência e a sua soberania no conjunto dos seus domínios de competência. As modificações realizadas nos aspectos institucionais dos tratados favorecem a identidade política da União Europeia e ameaçam os fundamentos nacionais das instituições ao privá-las da representatividade dos Estados.

Estes assuntos, julgados por muitos como demasiado complexos e aborrecidos, não interessam aos Portugueses. É um disparate. Mesmo se o tema parece enfadonho, é importante que nos debrucemos sobre ele alguns instantes. Porque aquilo que está em jogo com esta importante modificação dos tratados, é nem mais nem menos do que a existência de Portugal como país independente, livre e soberano e até mesmo como a sua própria existência enquanto país.

A perda de soberania nacional é um facto consumado

A totalidade da soberania dos Estados será delegada na União Europeia e já não existirá nenhum domínio que escape às competências de Bruxelas, das medidas relativas aos documentos de identificação (bilhete de identidade, passaporte) ao desporto, passando pela política de energia (algo que os Estados sempre recusaram), o espaço ou a protecção civil.

Mas o mais inquietante é que a partir de agora será em Bruxelas que se tomarão as decisões que dizem respeito à soberania e à identidade dos Estados.

A política de imigração, ou seja, a gestão dos fluxos migratórios (autorizações de entrada e de residência dos imigrantes), os direitos dos estrangeiros, incluindo o de votar, o estatuto do direito de asilo, etc., passarão a ser decididos não por unanimidade mas por maioria, sob proposta exclusiva da Comissão Europeia, que está convencida de que a Europa deve acolher sempre mais imigrantes, com a aprovação do Parlamento Europeu, que tem nos seus procedimentos o poder legislador e de uniformização das legislações nacionais.

A política de segurança, quer seja interior (polícia e justiça) ou exterior (defesa) passará a funcionar da seguinte maneira: no primeiro caso, o Tratado prevê nem mais nem menos do que uma uniformização do direito penal dos Estados (definição de crimes, sanções aplicáveis, procedimentos penais a levar a cabo, etc.), bem como a criação de um verdadeiro “FBI europeu”, que poderá levar a cabo investigações no território dos Estados membros, e de um tribunal europeu, que poderá ordenar estas investigações e dar ordens às polícias nacionais. No segundo caso, a União Europeia poderá exigir a alguns dos seus membros que coloquem o seu exército ao serviço de uma política por ela decidida (operação de manutenção da paz, intervenção militar exterior, etc.).

São sempre as competências externas de Bruxelas as que mais se estendem. No futuro, a política europeia e as decisões da União Europeia terão primazia sobre as decisões dos Estados, que não deverão em caso algum entravá-las, e estas decisões dizem respeito às relações comerciais, económicas, monetárias, políticas, judiciais, policiais e militares. Esta nova omnipotência europeia será simbolizada — e incarnada — por um ministro europeu dos Negócios Estrangeiros, encarregue de coordenar todas as acções e de as propor.

As instituições e os procedimentos que desaparecem do papel das Nações e dos governos

Até aqui as instituições europeias, devido à sua composição e ao seu funcionamento, reflectiam o facto de que a União Europeia era composta por Estados membros, desejosos de cooperar entre si. Agora, ao serem criadas duas novas “instituições” (o presidente da União e o ministro dos Negócios Estrangeiros), mas também ao modificar-se a composição das instituições existentes, compromete-se a representatividade nacional e muda-se a sua natureza.

A presidência da UE, hoje assegurada por cada Estado membro segundo uma rotação de seis meses, passará a ser fixa. A presidência será assegurada por uma personalidade eleita pelo Conselho Europeu e que não fará parte do Conselho (não será membro de nenhum governo). O presidente da Comissão Europeia representará a União e já não os Estados membros. O ministro dos Negócios Estrangeiros será uma espécie de super-comissário. Os seus poderes serão tais em matéria de política externa que será ele quem presidirá às reuniões dos ministros de Negócios Estrangeiros dos Estados membros, apesar de não ser mais do que um funcionário europeu. E os Estados que têm assento no Conselho de Segurança da ONU deverão convidá-lo a falar aí em seu nome!

A Comissão será composta por um comissário de cada Estado membro, mas estes terão velocidades variáveis: alguns terão direito de voto e outros não. É a Comissão quem, na maior parte dos casos, tem a exclusividade do poder de proposta da legislação europeia. Com o novo sistema, um comissário português poderá não ter durante vários anos quaisquer poderes ou influência sobre as iniciativas legislativas.

As diferentes pastas do Conselho já não serão presididas pelo ministro do Estado que assegura a presidência da União. Elas serão confiadas anualmente a um Estado por pasta, segundo um sistema de rotação dito “igualitário”, que é como quem diz, que representa o equilíbrio geográfico e político entre os países membros. Mas como nunca haverá tantas pastas quantos Estados, um país como Portugal deverá ver-se privado de uma pasta “importante” ou mesmo de qualquer uma durante vários anos.

A composição das outras instituições (Parlamento Europeu, Comité das Regiões e Comité Económico e Social) deixa de ser estabelecida por tratados, mesmo quanto às suas finalidades, e será objecto de uma lei “europeia”, nada havendo que impeça que essa lei não respeite a representatividade dos Estados.

Por fim, o procedimento de decisão utilizado na imensa maioria dos casos será aquilo a que se chama o procedimento legislativo ordinário, ou seja, uma proposta da Comissão, a adopção por maioria qualificada no Conselho e a votação do Parlamento Europeu. Esta maioria qualificada no Conselho passa a ser definida como a maioria dos Estados representando 60% da população da UE, o que permitirá a implementação de decisões contra a vontade de um grande número de Estados membros.

Acrescente-se que esta alteração dos tratados poderá ser a última nos tempos mais próximos, uma vez que o projecto prevê os meios para ir ainda mais longe na uniformização europeia sem haver necessidade de alterar a legislação.

Poderes em todos os domínios sensíveis, as instituições privadas da sua base nacional e centros de decisão que permitem colocar de lado os interesses dos Estados: o Tratado Constitucional é um verdadeiro salto qualitativo da construção europeia, o elemento fundador de um Estado centralizado e tecnocrático, dirigido em boa verdade por um pequeno grupo de funcionários todo-poderosos. E não é preciso pensar muito para se encontrar as motivações que conduziram à introdução no Tratado da possibilidade de sair, de secessão para os Estados. É que os mais fanáticos europeístas preferem perder alguns membros da União Europeia, seguramente os menos entusiastas, do que colocar em causa o sucesso da sua fabulosa máquina de amordaçar e fundir os Povos e as Nações.

Sem terem ouvido o que o povo português pensa a este respeito, os nossos responsáveis políticos apressaram-se a assinar o Tratado de Constituição Europeia. Exigimos, pois, que quando o assunto voltar à discussão, os Portugueses sejam consultados em referendo.

Os Portugueses têm de ser consultados sobre o seu futuro.

Alternativa Portugal

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